CORRENTE DE INRUSH E OS EFEITOS NO TRANSFORMADOR

Corrente de Inrush é o nome que se dá à corrente elétrica de energização de um transformador, com ou sem carga em seu secundário, por uma fonte senoidal de tensão. É, portanto, uma corrente transitória e que pode atingir um valor de pico de mais de 20 (vinte) vezes, pelo menos, o valor de pico da corrente elétrica nominal. Consequentemente, para o transformador, a ocorrência do Inrush equivale a um curto-circuito.

Por isso, surgem significativos esforços estruturais, deformantes, que poderão deslocar perigosamente enrolamentos, soltar fixadores diversos e ainda outros defeitos mecânicos, que poderão comprometer o funcionamento do transformador. Por sua vez, ainda que a severidade da corrente de Inrush possa ser considerada como tendo severidade moderada, em comparação com uma verdadeira  corrente de curto-circuito, a frequência com que a sua ocorrência pode se dar causa um efeito cumulativo de pequenos esforços, deformantes, cujo o resultado pode ser, em médio prazo, o mesmo de um verdadeiro curto-circuito.

Uma solução

Seria confiar na proteção contra curto-circuitos e ter o transformador protegido, por exemplo, por disjuntor ou fusíveis.

Entretanto, essa não é uma tarefa simples, pois se em cada vez que o transformador for ligado ocorrer o Inrush, a proteção desligará todo o circuito, causando um inconivente. E isso poderá repetir-se várias vezes, com o consequente acúmulo de estresses mecânicos nos elementos estruturais do transformador, bem como bobinas e o resultado poderá ser drástico.

Por isso, o melhor a fazer é mesmo conviver com um certo grau de Inrush, que serão implementadas a partir de modificações no projeto de um transformador. Para isso, o melhor é entender como o Inrush se dá.

Assim sendo, primeiramente, é conveniente compreender como se comporta a corrente elétrica transitória de energização de um circuito indutivo, linear, que de alguma forma se assemelha ao circuito de um transformador, muito embora esse último tenha ainda alguns fatores adicionais que os torna bem mais complexo.

ENERGIZAÇÃO DE UM CIRCUITO INDUTIVO LINEAR POR UMA FONTE SENOIDAL

Considere um circuito indutivo clássico, simples, representado por um resistor, R,  e um indutor linear , L, (por exemplo, sem núcleo ferromagnético), ambos em série, ligados a uma fonte senoidal, por uma chave, num instante considerado como  t = 0, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1 – Energização por fonte senoidal de circuito com resistor e indutor linear em série.

Para este caso, o gráfico da corrente transitória de energização, i(t), poderá ser tanto aquele mostrado na Figura 2 quanto o da Figura 3, o que é algo realmente surpreendente.

Figura 2 – Corrente de energização do circuito da Figura 1. Presença de um pico de corrente, que vai decaindo.

Figura 3 – Corrente de energização do circuito da Figura 1. Ausência de pico de corrente.

Ou seja: A corrente transitória pode apresentar um pico de valor 60 % acima do pico em regime permanente, como na Figura 1. Nota-se que esse pico vai decaindo, até que a corrente atinja seu regime permanente. Já no gráfico da Figura 3, não há qualquer pico maior quo da corrente em regime. Ou seja, a corrente entra diretamente em regime.

As razões para esse comportamento da corrente são, basicamente, as mesmas que explicam o comportamento do Inrush, ou seja, dependendo do exato instante da ligação à fonte, o pico de corrente pode, ou não acontecer.

No caso do circuito da Figura 1 e em relação às Figuras 2 e 3, a amplitude do pico pode variar muito mais, ainda, podendo até mesmo vir a se tornar negativo. Em todo o caso, nesse circuito simples, o pico nunca irá exceder 100 % do pico da corrente de regime. Entretanto, no caso de Inrush, esse pico pode ser muito maior que “apenas” 100 %.

O que ocorre com o circuito da Figura 1 é que, ao se fechar a chave e transferir a tensão da fonte para o circuito, dificilmente se sabe em que exata posição da senóide a tensão está. Ou seja, se está no valor de pico positivo, pico negativo, zero, ou outros 356 graus elétricos possíveis, que correspondem a diferentes pontos da senóide.

Entretanto, dependendo da combinação entre os valores do resistor, R e da Indutância, L, haverá uma posição mais favorável de posição da senóide para que seja o instante inicial, no qual a chave vai fecha. Tal posição vai corresponder a um certo ângulo, que permitirá que a corrente transitória não tenha pico nenhum. Por outro lado, também haverá ângulo, ou posição da senóide, em que o fechamento da chave causará o maior valor de pico, durante o transitório.

E, claro, haverá outros 356 ângulos, dentre os 360 possíveis, correspondentes a posições angulares da senóide, cujo pico de sobre corrente terá valores intermediários, entre 0 e 100 % acima do pico da corrente em regime.

Assim sendo, na grande maioria dos casos de chaveamento, não temos como adivinhar em que ângulo vai estar a senóide da tensão no exato instante em que fecharmos a chave. De fato, esse tipo de evento se assemelha a uma “roleta russa”.

Entretanto, no caso dos transformadores, e reatores, que têm núcleo ferromagnético, o problema se torna tão mais complexo quanto imprevisível.

Primeiramente, o circuito elétrico difere um pouco daquele da Figura 1, incorporando efeitos como a histerese magnética e perdas internas ao núcleo, conhecidas como perdas Foucault. Entretanto, um significativo agravante advém do fato de o núcleo reter um certo magnetismo, chamado de magnetismo residual, cujo valor é sempre incerto, de difícil avaliação. E para piorar, o material ferromagnético satura.

O resultado dessa combinação “explosiva” é um pico de corrente transitória de valor “astronômico”, se comparado com aquele mostrado no circuito da Figura 1. Isso porque a energização da fonte pode aplicar um fluxo magnético no núcleo que, somado ao fluxo magnético residual, pode ultrapassar o valor de saturação magnética, fazendo a corrente disparar, bruscamente.

Apenas como exemplo, considere a energização de um transformador, de pequena potência, cuja corrente, de regime, em vazio é cerca de 1,4 ampéres de pico, para poder se comparar seus resultados com os gráficos das Figura 2 e 3.  Então, na Figura 4 se mostra a corrente transitória da energização desse transformador.

Figura 4 – Energização por tensão senoidal de um transformador – Corrente de Inrush.

No gráfico, é notório o quanto o primeiro pico é maior que o segundo e, por sua vez, o quanto os demais picos decaem muito rapidamente. Essa intensidade relativamente alta de primeiro pico de corrente e a rapidez com que cessa é o que caracteriza o termo Inrush.

No caso, o valor do pico máximo de corrente é cerca de 23 vezes o pico de corrente em regime. Ou seja, 2300 % acima do pico de regime!!

Portanto, muito maior que o transitório no circuito “bem-comportado” linear, da Figura 1. Convém ainda assinalar que, com base no mesmo gráfico da Figura 4, o circuito demora mais a atingir o regime permanente, apesar do rápido decréscimo dos picos da corrente transitória. Por exemplo, pelo mesmo gráfico, após 0,09 s da energização da fonte, a corrente ainda apresenta o semi-ciclo positivo da senóide com um valor médio maior do que o seu semi-ciclo negativo.

CONCLUSÃO

Esses resultados mostram o quanto podem ser devastadores os efeitos da corrente de Inrush, já que os esforços mecânicos nos elementos estruturais do transformador são proporcionais ao quadrado do valor de pico de corrente que circula em seus enrolamentos.

Como um fio de esperança, num misto de ironia, é possível que, num outro evento de energização, os mesmos fatores, que antes se combinaram para criar uma situação desesperadora, possam se combinar favoravelmente e simplesmente permitir a corrente atingir imediatamente a condição e regime permanente.

Enfim, uma “roleta-russa” mais “letal”.

Então, como evitar isso, convivendo com esse “perigo”?

17 thoughts on “CORRENTE DE INRUSH E OS EFEITOS NO TRANSFORMADOR

  1. Grato, Carlos ! É a Engenharia Elétrica da FURB fazendo o seu papel ,em colaboração com a IlTech!

  2. Excelente artigo!
    Um bom circuito para evitar a corrente Inrush é um detector de passagem por zero. Toda vez que a tensão senoidal cruzar o eixo do tempo (zero volt) o circuito comuta a carga à rede elétrica para evitar essa corrente desastrosa.

    1. Muito obrigado, José Edilson !
      Excelente proposta a sua, que só precisa ser analisada quanto à viabilidade, dependendo da potência do trafo em questão. Ótimo !

    1. Olá Tiago,

      Obrigado pela sua pergunta aqui no Blog.
      A resposta para sua pergunta é simples, custo!
      Todo e qualquer trabalho da engenharia é encontrar o projeto mais rápido de ser fabricado, com a melhor performance ao menor custo possível! Com isso introduzir um equipamento como o soft starter em um transformador significaria encarecer ainda mais o projeto e até perder a venda em função do custo! Fazendo uma analogia, seria como querer colocar um painel digital com computador de bordo em um cortador de grama. Assim como ferramentas muitas vezes tem o objetivo de ser simples os transformadores também seguem este propósito.
      Outra limitação é a potência. apesar de nos últimos a eletrônica ter crescido em seus campos de atuação, um equipamento como o soft starter possui limitações quanto a sua aplicação e logicamente se encontrássemos um já disponível no mercado, seu valor seria tão alto que inviabilizaria o projeto do transformador, se tivesse que desenvolver um projeto próprio então nem se fala! Por isso contornar problemas como a Corrente de Inrush através de ajustes na própria geometria do transformador costuma ser bem mais barata, rápida e com eficiência e custo bem mais atraentes!

      Por isso que nosso trabalho na ILTECH INNOVATIVE TRANSFORMERS visa justamente munir nossas ferramentas como o SISRECWEB por exemplo faz, de modo que o projetista possa alcançar o objetivo do projeto de forma rápida, segura com a melhor performance possível ao menor custo!

      Espero ter respondido sua pergunta.

  3. otima expilcação, mas se durante a energização ocorrer o inrush, a proteção deve atuar e o circuito não energizaria, então como fica essa energização?

    1. Olá Marcelo, obrigado por acompanhar o Blog. A respeito do Inrush, ele deve ser previsto e considerado no projeto para que o equipamento suporte tais esforços. Em nossa software de projeto de transformadores http://www.sisrecweb.com o engenheiro pode sempre prever estes efeitos e proceder, para garantir que o equipamento esteja projetado de modo a suportar os efeitos da corrente de Inrush.

  4. A solução seria a utilização de controladores de manobras. Existe no mercado controladores que inclusive mede o fluxo residual, calculando então o momento ideal para a energização do trafo.

    1. Gostaria de ouvir comentários do porque da não utilização de controladores de manobras com medição do fluxo residual, visando limitar a corrente de inrusch.

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