POR DETRÁS DO FATOR K – PARTE 1 – COMO SE DETERMINAR

Como já afirmamos anteriormente, cargas com conteúdo harmônico cada vez mais elevado tendem a se difundir cada vez mais no mercado, exigindo mudanças no dimensionamento dos transformadores que vão alimentar essas instalações, residenciais, comerciais e industriais, até que medidas de controle dessa “poluição” possam ser postas em prática, o que deve demorar.

Essencialmente, harmônicos de corrente tendem a tornar crítico o hotspot do transformador, exigindo que o projetista ajuste seu projeto para evitar o perigosíssimo e indesejado sobreaquecimento do transformador, que vai provocar a falência do isolamento elétrico do equipamento e, assim, levá-lo prematuramente a termo.

Um breve resumo histórico

Mas que cargas são essas, afinal? Historicamente, em nível industrial, existem cargas que são consideradas clássicas, no que diz respeito ao elevado conteúdo harmônico, que requerem um projeto especial de transformador. Nominalmente, fornos a arco e fornos de indução, por terem maior potência, podendo-se citar ainda máquinas de solda, mas que têm menor potência, embora seja um tanto quanto “ruidosa”.

Nesse domínio, o projeto do transformador, ainda que específico, é dedicado para conviver com um conteúdo harmônico bem conhecido, o que permite projetar adequadamente, com um tanto de folga bem conhecido, os enrolamentos do transformador, para fazer frente aos ganhos de temperatura advindos das perdas adicionais, que os harmônicos causam. Ocorre que, de uns tempos para cá houve um acelerado e significativo movimento de adoção da eletrônica de potência que, tendo à frente o tirito, permitiu um controle cada vez mais refinado de equipamentos com potências cada vez maiores, trazendo confiabilidade e eficiência para o acionamento de motores, em um sem-número de aplicações.

Esse movimento, começou também na indústria, representado pelo conversor de frequência, que permitiu o controle de velocidade refinado e eficiente do motor de indução, melhorando sobremaneira diversos processos industriais. Graças ao retumbante sucesso, “essa dupla” saiu dos domínios da indústria e alcançou o setor de eletrodomésticos, trazendo além de eficiência, conforto e sofisticação na operação de refrigeradores e aparelhos de ar condicionado (com potências cada vez maiores), principalmente, devendo logo atingir outros equipamentos, como máquinas de lavar e de secar roupas, lava-louças e muitos outros.

Consequências relevantes

Com isso, a rede elétrica residencial passou a conviver com o preço desse avanço: Um aumento significativo do conteúdo harmônico. Pior, sem um perfil bem definido, já que as cargas têm naturezas diversas. Para “piorar”, convêm considerar a “explosão” do uso de chuveiros elétricos, com potência cada vez maior, que são tiristorizados, permitindo um perfeito ajuste de temperatura, às custas de um conteúdo harmônico dos mais significativos.

Não menos importante é considerar que o uso de computadores também “explodiu”, pois estão em todo os lugares de indústrias, residências e comércio. Todos são alimentados por fontes ditas chaveadas, que geram harmônicos. Enfim, os harmônicos já podem ser considerados como sendo um real ameaça à rede de distribuição, pois convergirão para os transformadores em operação, na forma de corrente elétrica, provocando o terrível e temido sobreaquecimento, se não forem devidamente dimensionados.

Origem

Nesse contexto, é muito importante saber que esse problema já tem sido enfrentado de uma forma que se tornou muito famosa, a partir do como ele foi tratado, nos
Estados Unidos, resultando no famoso fator K, ou K – Factor, que nada mais é do que um fator de de-rating, ou redimensionamento,  numa tradução livre. Seu valor indica quantas vezes as perdas adicionais vão ser, em determinado regime de componentes harmônicas, em relação às mesmas perdas adicionais à frequência industrial, de regime senoidal puro.

Muito embora o fator K não seja a única forma de se abordar e resolver o problema, até porque sua aplicação tem, por detrás, a realidade do mercado norte-americano, que é bem diferente do mercado brasileiro, é imprescindível ao projetista de transformador conhecer esse método que, por ser o mais básico e mais difundido permitirá compreender os demais métodos e vir a utilizá-los, quando julgar mais oportuno.

Então, vamos a um exemplo, adaptado de [1].

Considere o gráfico da Figura 1, abaixo, como sendo o da forma de onda da corrente, ao longo de um ciclo (~16,6ms), típica de um computador pessoal, que apresenta uma fonte chaveada.

Figura 1 – Corrente típica de alimentação de um computador pessoal.
Fonte: [1]

Esta forma de onda é obtida por medição, através de instrumentos cujo grau de sofisticação, cada vez mais acessíveis, permitem o seu tratamento instantâneo e a direta obtenção do espectro de amplitude de harmônicos, tal como mostrado no gráfico da Figura 2, abaixo.

Figura 2 – Espectro de amplitude da corrente típica de alimentação de um computador pessoal.
        Fonte: [1]

Trata-se de uma onda que somente apresenta harmônicos ímpares, graças a uma característica chamada de simetria de meia-onda.

Com base no espectro de amplitudes, é possível calcular o valor eficaz da corrente. Para isso, a Tabela 1 mostra, em sua segunda coluna, o valor da amplitude de cada harmônico da onda da Figura 1, de 1 (fundamental) a 11, que permite o cálculo da corrente eficaz como sendo

Esse valor, de Ief = 1.479 A rms é então utilizado no cálculo dos valores constantes na quinta colunada Tabela 1.

Tabela 1 – Cálculo do Fator K, segundo o método UL.

Efetivamente, o fator K é calculado pela soma quadrático do produto da corrente eficaz de cada harmônico, multiplicada pela sua ordem e dividido pela corrente eficaz total

Então, o valor de K = 11.614 significa que as perdas adicionais serão, nos enrolamentos do transformador que estiver alimentando essa carga, 11.614 vezes maior do que as perdas adicionais que o projetista consideraria se a corrente fosse puramente senoidal.

Padrões

Nos Estados Unidos, os fabricantes já produzem em série, transformadores com fator K igual a 4, 9, 13, 20 e mais alguns. No Brasil, ainda, a adoção de um projeto especial é mais frequente.

A compreensão do porque da dependência do valor do fator K com o quadrado da multiplicação do quadrado da amplitude de cada harmônico pela sua ordem será melhor detalhado futuramente. Entretanto, tem a ver com a corrente induzida pelo efeito pelicular, responsável pelas perdas adicionais, cuja dependência se dá pelo quadrado da frequência.

Com esse exemplo, se pode ver que o cálculo do fator K é relativamente simples, se a medição realizada permitir a obtenção do espectro de harmônicos.

Em todo o caso, numa situação prática, raramente um transformador vai causar preocupação se alimentar somente um computador pessoal. Assim, devemos extrapolar essa situação para a condições reais em que diversos outros equipamentos, igualmente geradores de harmônicos de corrente, como chuveiros, conversores de frequência e retificadores, por exemplo, operam de forma intermitente e com diferentes graus de simultaneidade. Nesse caso, a complexidade aumenta por demais, pois o espectro de harmônicos se torna dinâmico.

Então, no caso em que a carga já está instalada, o melhor é solicitar a uma empresa especializada a realização e medição ao longo de um determinado período, para se verificar o comportamento do espectro de harmônicos para, com isso, dimensionar corretamente o transformador a ser devidamente utilizado. No caso de instalação nova, uma criteriosa pesquisa sobre os equipamentos que serão utilizados, se possível, se torna fundamental. Mas, convenhamos, muitas vezes não é uma tarefa fácil.

Numa próxima oportunidade traremos informações sobre formas alternativas de tratar da presença de harmônicos e se evitar o superaquecimento dos enrolamentos. São, basicamente, duas formas alternativas ao fator K, que se adaptam muito bem à realidade brasileira, embora esteja longe de resolver o dilema da imprevisibilidade do comportamento harmônicos das cargas que serão instaladas para um determinado transformador alimentar.

2 thoughts on “POR DETRÁS DO FATOR K – PARTE 1 – COMO SE DETERMINAR

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *